Eu, vampira?
Poderia ter escrito esse poema, mas não escrevi
Nele me vejo, me identifico, me observo...
Será que sou Vampira?
Também era moreninha,
Uma serva feliz do Rei‐Sol
Também me energizava com essa força mágica
Luz que nos faz brilhar, douradas
Também vivia, como boa carioca, a vida de Morena Tropicana
Até que o sol passou a ser um monstro em chamas
Uma perigosa bola de fogo
Queimava, cegava, manchava
Reativando a dor que precisava adormecer
Então, tornei‐me branquinha ("cor‐de‐maizena")
Pálida, transparente, lívida
Pele desbotada, roxos brotando, veias bem verdinhas...
Não sou mais dourada
Sou quase um arco‐íris de três ou quatro cores
Reluzindo diante dos passantes ensolarados
Poderia ter descrito essa transformação
Verso ou prosa
Desenho ou rabisco
Dia a dia
Passo a passo
Mas não escrevi
Não desenhei
Não fiz
Hoje me pergunto
Será que sou vampira?
Amo a lua, seu brilho suave
Me encanto com as luzes distantes das estrelas
Me inspiro e cresço a cada noite
De morena ensolarada a branquinha amante da lua
A fragilidade que me foi presenteada merece o luar
A força do dia ensolarado retrai, aprisiona
Preciso me proteger do meu velho e amado astro‐rei
Apreciar sua beleza apenas quando já está se despedindo
Vê‐lo sumir no mar, na linha do horizonte
Sim, seria um belo poema
Rico em deliciosas descrições
Teria sido um escrito memorável
Coroando minha trajetória de curvas sinuosas, becos sem saída
Mas, não.
Não escrevi esse poema.
Hoje sei que não sou uma vampira
Nem de sangue, nem de energia
Hoje sei que a energia vital que circula no meu corpo
É maior e mais vivida que qualquer raio solar
Demorei para perceber isso
Mas o espelho me diz
Não sou invisível
Não sou vampira
Sou mulher
Sou viva
Vida
Vida que reconquistei
Dia após dia
Mancha após mancha
Cor a cor
Com muitas lágrimas
E o dobro de sorrisos de gratidão!
Hoje sei!
Já posso passear junto ao meu amigo perigoso
Já posso trocar energias com esse dia ensolarado
Mas, apeguei‐me à lua
Tão suave
Brilhante
Distante do sol
E ao mesmo tempo
Por ele iluminada
Uma deusa prateada
Ora pálida
Branca
Escondida
Mas sempre ali
À distância segura
Hoje não escreveria mais como vampira
Até posso passear ao sol!
Será?
Com bloqueador solar
Com óculos escuros
Por pouco tempo
Até 10h da manhã
Ou depois das 16h
Um pouco vestida
Boné ou chapéu
Quase um ritual para saudar o Rei...
Mas reis merecem toda essa pompa, naturalmente...
Nada como um bom ritual para nos aproximar do Alto!
Hoje sei que não sou vampira
Hoje sei que não escreveria esse poema
Só por hoje
Eu sei...
Referência ao texto “Eu, vampiro” do Blog A Menina e o Lúpus
http://porcelanamenina.blogspot.com.br/2014/11/eu-vampiro.html